terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A Carol da oitava

Gente, este conto não é meu, pertence a um dos melhores colaboradores do Blog... Ele é mentiroso pra cacete também...

Como vocês podem notar, o conto é bem grande, mas larguem de preguiça e leiam, seus analfabetos funcionais!!! Bom, espero que vocês curtam...

Abraço a todos!!!

Ah, a oitava série... Anos incríveis para alguns, anos cruéis para tantos outros como eu. Uma fase em que as palavras de ordem são: aceitação, auto-afirmação e azaração. Uma fase em que sentimos a grande urgência de deixar a infância para trás e desabrochar para uma nova etapa. Minha fase de oitava-série não foi nada brilhante. Eu era tímido, inseguro, tinha uma péssima auto-estima e poucos amigos. Eu era muito CDF para ser popular, mas nem tão CDF ao ponto de me destacar por isso. Em resumo, eu era um zé-ninguém. Mas eu não era o único, assim como eu existia uma legião de zé-ninguém compondo a grande massa da sala. Essa legião de pessoas sem brilho está presente em qualquer turma de oitava série. Além dos zé-ninguém, as salas de oitava série são em geral compostas pelos seguintes personagens:

- Os palhaços: aqueles sujeitos que fazem qualquer coisa só pra arrancar umas gargalhadas da sala e atrapalhar a aula. Em geral isso envolve humilhação de terceiros ou tiração de sarro com os professores.



- O CDF: O cara que dificilmente não gabarita as provas e fica puto da vida quando tira 9,5. Eu era um “meio-CDF” que tirava notas boas, mas a média girava entre oito a nove. Eu até era chamado de CDF pelos menos providos de neurônios, mas estava longe de ser O CDF da oitava-série A.



- O Garoto Pegador: é aquele que já havia beijado quando ainda tinha 12 anos de idade, pegava meninas do segundo-grau (hoje ensino médio), fala pra todo mundo que não é mais cabaço e todas as garotas tem uma quedinha por ele.



- Os Marginais: eles arrumam briga na saída da aula, humilham os mais fracos, fumam na hora do recreio, jogam bombinha no banheiro além de outras atitudes de vandalismo. Muitas vezes os palhaços inserem-se também nesse grupo.



- A Princesinha: Ah... a princesinha. A encantadora princesinha. Ela fertilizava a imaginação de todos os garotos, sem exceção, nos momentos solitários do banheiro. Quantas paixões platônicas elas já causaram? Ela não pode ser considerada como a versão feminina do Garoto Pegador, pois consegue transmitir um ar de inocência e de pureza. Ninguém se atreveria a duvidar da conduta moral da princesinha. Cada sala possui a sua, ela é única. A princesinha da minha oitava-série chamava-se Carol. A Carol da oitava A.



- As Amigas da Princesinha: Apesar da princesinha causar inveja em todas as garotas, ela vive cercada de amigas. Algumas bonitinhas, mas não ao ponto de ameaçar seu posto de princesa. Algumas gordinhas, que são como psicólogas e conselheiras amorosa do grupinho (apesar de nunca terem beijado um garoto).

Eu sabia qual era o meu papel neste cenário: o próprio cenário. Como eu já havia dito, eu fazia parte dos zé-ninguém. Eu compunha a grande massa que não se destacava por nenhum atributo especial, nem positivos e tampouco negativos. Mas isso não me impedia de constatar como era graciosa a Carol da oitava A: os cabelos loiros ondulados, os olhos de oceano, a pele clara com algumas sardinhas, os lábios carnudos, a voz aveludada, a meiguice de menina que começava a se tornar mulher. Chegava a imaginar às vezes em como seria andar com ela de mãos atadas, de passear no parque, de trocar olhares durante a aula. Eu imaginava como seria se chegasse na escola e as pessoas cochichassem: -Olha, esse é o cara que fica com a Carol da oitava A. Eu deixaria de ser um zé-ninguém e quem sabe até pudesse me tornar um pegador.

Mas a ficha caía rapidamente destes devaneios e eu voltava para o devido lugar deste micro-mundo. A interação que eu tinha com a Carol era eventualmente informar as horas e ajudar a passar bilhetinhos de correspondência para suas amigas. De vez em quando, muito raramente, ela pedia alguma dica em um exercício ou pedia para copiar a lição do meu caderno depois que a professora apagava o quadro. Eu ganhava meu dia quando isso acontecia. Na hora de devolver o caderno eu era retribuído com um sorriso, e um “-valeu!” que me levava às nuvens. Em uma ocasião ela até pronunciou meu nome depois de agradecer.

Essas são as lembranças que guardo da minha oitava-série. A Carol é a mais forte delas. Depois da oitava série veio o segundo-grau em outra escola, mas pouca coisa mudou. Foi então que adentrei na melhor fase da minha vida: a faculdade. Melhor ainda: eu estava na faculdade a muitos quilômetros de casa. Precisei conhecer gente nova e aprender a me virar sozinho. Isso me ajudou muito a amadurecer. Identifiquei-me com algumas pessoas, consegui encontrar minha identidade, fiquei muito mais seguro e confiante. Vivenciei inúmeros episódios, histórias que colecionei e são contadas até hoje. Fiz amigos que ainda fazem parte da minha vida. Aprendi a aceitar a solidão quando necessário e a sair dela quando preciso. Porres, ressacas, problemas, bares, festas: tudo isso passou a ser muito presente na minha vida. E por incrível que pareça, comecei a desvendar alguns dos segredos femininos. Estava longe de ser um Don Juan, mas tive algumas experiências interessantes na área de relacionamentos. Quando saí da faculdade me considerava uma pessoa completamente diferente daquela que entrou (não sei até que ponto os outros também achavam isso).

Depois disso rolou ainda muita coisa até chegarmos aos dias de hoje. Outra mudança de cidade, escolhas profissionais, dúvidas, incertezas, relacionamentos que começaram e acabaram e diversas outras experiências de vida e transformações que me fizeram ser quem eu sou hoje. Mesmo tendo hoje uma auto-estima muito melhor, sempre lamentei pela pessoa inibida e encabulada que fui. Sempre tive vontade de voltar no tempo, encontrar o meu eu do passado e trocar uma idéia com ele pra fazer aquele moleque se ligar. Voltei para a minha cidade nas últimas férias para passar o fim de ano com meus pais. Saí para uma balada, uma banda de rock local ia fazer um show em um pub. Circulando pela galera com uma cerveja de 600 ml na mão e me sentindo um estranho no ninho, vejo em meio àquela multidão de adolescentes um rosto conhecido. Já sob o efeito etílico desenibidor, aproximei-me e arrisquei perguntar: “-Carol? Seu nome é Carol não é?”.

Ela respondeu: “-Na verdade é Caroline”. Achei a resposta imbecil, pois era óbvio que eu estava me referindo a como ela é chamada e não ao seu nome exato. Pensei em dar uma zoada por causa disso, mas desisti. O importante é que eu estava diante da Carol da oitava A e não estava informando as horas nem emprestando o caderno. “-E você é...?”, disse ela meio assustada com minha abordagem invasiva. Eu falei meu nome pra ela, mas isso não adiantou muito. Disse então que havíamos estudado juntos na oitava-série A. Ela respondeu com um: “Ahhhhhhh! Lembrei! Nossa isso faz muito tempo cara!”. Tenho certeza que naquele momento ela ainda não fazia a menor idéia de quem eu era, mas pelo menos agora sabia que tínhamos estudado juntos e que eu não era um psicopata.

Ainda não sei por que fui falar com ela. Minha intenção inicial não era de azaração. Fui impulsivo, eu a reconheci e quando me dei conta estava lá conversando com ela, fazendo o que jamais teria coragem de fazer há 13 anos. Depois de um tempo estávamos mais à vontade um com o outro e relembrando o passado. Da professora, dos nomes dos colegas, das aulas de educação física, quem era apaixonado por quem. Acho que neste ponto ela já tinha lembrado realmente quem eu era, mas só tive certeza disso quando ela falou: “Você era meio CDF, não era?”. Meio CDF: impossível me definir melhor naquela fase. Ela tinha lembrado mesmo de mim.

Confesso que os 13 anos que passaram apagaram um pouco do brilho de alteza que tinha a Carol. Principalmente devido aos quilogramas a mais que passaram a fazer parte dela. Ela já não despertava a mesma atenção masculina naquele pub dos tempos de oitava série. Provavelmente nem teria me chamado atenção se não fosse pelo passado em comum que tínhamos. Mas como se diz no linguajar machista: “era pegável”. Foi então que eu percebi, após mais umas duas garrafas e uma conversa ao pé do ouvido: eu ia pegar a Carol da oitava A. Fiz questão de gravar na memória cada segundo deste evento histórico que antecedeu o beijo: as palavras, o olho no olho, a mão na nuca, o suspiro, os lábios chegando cada vez mais perto e ainda com alguma hesitação.

Quando me dei conta eu estava realizando o meu sonho impossível de pré-adolescente. Senti-me como o primeiro homem a pisar na lua. Pode parecer patético, mas a sensação de realização foi muito grande. Deu vontade de subir no palco, tomar o microfone do vocalista e cantar “We Are The Champions”. Daquele momento em diante fiquei bastante abobalhado, um pouco devido à euforia e principalmente devido à quantidade de suco de cevada que já havia ingerido. Minhas lembranças deixam de ser lineares a partir daquele ponto. Mas lembro que não me cansava de chamá-la de Carol da oitava A. Eu fazia questão de repetir isso a todo instante: “Quer beber alguma coisa, Carol da oitava A?”, “Onde você está morando, Carol da oitava A?”, “blá blá blá, Carol da oitava A”, “Quer que eu te leve para casa, Carol da oitava A?”. Eu repeti isso tantas vezes que ela começou a ficar constrangida, mas fazia muito bem para o meu ego. Era como se eu pudesse reescrever uma página do meu passado.

Acordei no outro dia, e pensei comigo: “-Eu peguei a Carol da oitava A... é uma pena que meus ex-colegas não souberam disso.”

Um comentário:

  1. Cara,

    Tentei ler tudo, fiquei até curioso para saber o final, mas é muito longo. Vou tratar este conto em capítulos.

    Reginaldo

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